TSE multa candidato que pediu votos no Twitter e ameaça censurar,
nas campanhas de 2012, único espaço em que eleitores têm voz ativa
Por Natasha Bachini* e Rosemary Segurado**
Em março de 2012, a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no
julgamento do caso do candidato à Vice-Presidência, Índio da Costa
(ex-DEM, atual PSD), pela chapa de José Serra (PSDB) nas eleições de
2010 despertou polêmica entre os partidos, internautas, e até mesmo
entre os próprios magistrados. Índio da Costa foi condenado a pagar a
multa de R$5 mil por veicular a seguinte mensagem pelo microblog Twitter
no dia 4 de julho de 2010: “A responsabilidade é enorme. Mas, conto com
seu apoio e com o seu voto. Serra Presidente: o Brasil pode mais”.
O julgamento, dois anos após as eleições, aparentemente não teria
sentido, mas está voltado a legitimar a decisão do Tribunal Superior
Eleitoral(TSE) para as eleições municipais de 2012. Nesse sentido, o
tribunal confirmou a proibição do uso do Twitter antes do dia 6 de
julho, data estipulada para o início oficial da campanha para as
eleições de 2012.
Ao contrário do que foi divulgado pela grande imprensa, a decisão do
TSE simplesmente seguiu o que fora estipulado anteriormente no capítulo
IV – Da propaganda eleitoral na Internet, da Resolução Nº 23.370 para as
eleições de 2012, que foi aprovada no dia 13 de dezembro de 2011 e que
na realidade se baseia nas diretrizes dadas pela primeira lei de
regulação da internet no Brasil, a lei Nº 12.034 de 2009. Nela, baseados
no tratamento dado aos meios de comunicação de massa (mídia impressa,
rádio e televisão), os magistrados proibiram o uso da internet, e não
apenas do Twitter como fora informado pela imprensa.
De acordo com o artigo 2, Capítulo 1 – Disposições Preliminares, não
será considerada propaganda antecipada a presença e atuação do
candidatos na internet, contanto que esses não peçam votos. A livre
manifestação e o debate de ideias por parte dos demais cidadãos seguem
permitidos também. Com relação a propaganda na internet nos períodos de
48h antes das eleições e 24h depois, estas continuam liberadas segundo a
mesma lei.
Não podemos deixar de ressaltar também a relevância e a razoabilidade
dos argumentos apresentados pela defesa de Índio da Costa, embora todos
tenham sido desprezados pelo TSE. O principal deles é o fato de que
outros candidatos tiveram a mesma atitude em seus perfis no Twitter e
não foram julgados. Os outros passam por alguns pontos sobre os quais
refletiremos brevemente aqui:
1. As tecnologias de fluxos multidirecionais de comunicação, como é o
caso das redes sociais de Internet, deveriam ser tratadas pela
legislação da mesma forma que o rádio e a televisão, que são veículos de
comunicação massiva? Não.
O conteúdo produzido e veiculado pela internet abastece um banco de
dados inesgotável cuja visibilidade caleidoscópica e caráter
superexpositor permite ao usuário a escolha autônoma do conteúdo, de
acordo com o seu interesse particular, diferentemente da mídia impressa,
do rádio e da TV. Somada a essa característica, o ciberespaço permite
uma espécie de emancipação do ponto de vista comunicacional. Munidos de
recurso técnicos e capital cognitivo, os atores sociais passam da
condição de receptores para provedores de informação, o que estimula o
debate e contribui para uma participação mais ativa dos cidadãos nos
regimes democráticos.
O TSE parece ignorar a natureza do meio que regulamenta, sobretudo
quando trata o uso da internet da mesma forma que o sistema de
radiodifusão. Ao proibir o uso do Twitter no debate eleitoral, nota-se,
mais uma vez, que o TSE dá às costas à sociedade, à medida que
desconsidera a incorporação crescente das tecnologias de informação e de
comunicação no debate político contemporâneo. A possibilidade de uso
das redes digitais para a articulação dos debates relevantes sobre as
cidades fica extremamente prejudicada.
Se a proibição se mantém, tal como o previsto na Resolução do TSE,
veremos que a possibilidade de incorporação das tecnologias para a
ampliação da participação política online não se propõe a substituir a
participação em outras dimensões da política, mas apenas pode
potencializar a participação dos indivíduos no processo político.
A participação política via internet pode ser vista como
instrumental, considerando o uso de ferramentas, linguagens e máquinas
de conexão digital para articular uma determinada rede de pessoas.
No caso do Twitter, essa conversação se mostra eficaz para disseminar
pela técnica viral algo que se quer colocar na agenda de debates. Os
seguidores podem tuitar e agregar novo conteúdo à discussão, ao tema
colocado na rede. Nas últimas eleições, observamos que o microblog
ocupou um lugar importante na agenda de debates do processo eleitoral,
pressionando para que determinados temas entrassem na agenda dos grandes
meios. Os seguidores/eleitores tiveram a oportunidade também de
esclarecer suas dúvidas a respeito das posições e dos programas de
governo dos candidatos. Além disso, alguns políticos se aproveitaram da
internet para propiciar a construção de um programa colaborativo.
Alguns irão nos alertar: vimos também o uso do Twitter para a
difamação e a propagação de mentiras sobre o posicionamento dos
candidatos em questões consideradas polêmicas. Isso realmente ocorreu,
mas existe também a abertura de se usar essa mídia para desmentir um
“boato falso”, como fez, por exemplo, o candidato Plínio de Arruda
Sampaio(PSOL) perante o boato do seu falecimento no dia da eleição.
Quanto mais permitimos a incorporação de tecnologias que possibilitam a
ampliação dos sujeitos “falantes” nos processos políticos mais quebramos
o monopólio dos grandes meios de comunicação de exercerem sozinhos a
disseminação de informações sobre os processos políticos e,
especificamente nesse caso, nas campanhas eleitorais.
Os chamados formadores de opinião horizontais ganham um papel
fundamental nesse processo, considerando que vêm, cada vez mais,
apropriando-se das mídias digitais e usando-as para intervirem na ação
política. Nesse sentido, a propaganda política não se limita à campanha
eleitoral e à forma como os partidos políticos conduzem esse processo.
Efetivamente, os partidos ocupam um papel central e se apropriam das
mídias digitais para o debate político, mas também o cidadão comum
intervém e pode ajudar a qualificar o processo eleitoral.
É curioso que sempre se afirma que “campanha suja” ou de difamações
foi realizada pelas mídias digitais. O que é verdade, mas em partes. O
Twitter também possibilitou o uso do princípio jornalístico do
contraditório, ou seja, a garantia de expressão de dois ou mais lados
envolvendo uma mesma questão polêmica. Na prática, um boato disseminado
pelo Twitter teve espaço para ser desmentido no próprio microblog, o que
garante a dinâmica de debates considerada fundamental dentro de um
processo político democrático. Cabe destacar que o Twitter aplicou um
princípio jornalístico raramente praticado pela grande mídia brasileira
que sob o manto da “imparcialidade”, apresenta-se tendenciosa na
cobertura da agenda política.
Especificamente no Twitter, criaram-se diversos perfis falsos dos
candidatos, porém estes atuavam mais no sentido de ridicularizar os
políticos do que agredir suas imagens de maneira incisiva. Além disso,
os ataques realizados por perfis militantes ou por e-mail acabaram por
repercutir mais intensamente entre grupos que já possuíam resistência
anterior aos candidatos em questão. Ao mesmo tempo, os candidatos tinham
a oportunidade de se defender desses ataques e esclarecerem possíveis
mal-entendidos, como muitas vezes o fizeram ao longo da campanha.
2. É legítimo o controle do conteúdo a ser veiculado na internet por
parte do TSE, sendo que esta se define por ser um território de
comunicação “livre”? Este controle estaria de acordo com o texto do
Projeto de Lei do Marco Civil da Internet, no qual se legitima a
intervenção do Poder Público? Não.
É necessário discutirmos o princípio da neutralidade da rede,
princípio que vem orientando as discussões sobre a regulamentação da
internet. Significa dizer que todo tipo de conteúdo que trafega pela
rede deve ser tratado pela isonomia, ou seja, deve receber tratamento
igual, independente do formato: texto, vídeo ou música.
A neutralidade da rede pressupõe que os conteúdos não podem ser
bloqueados, considerando que essa medida implicaria no cerceamento da
liberdade de expressão e de manifestação de ideias, sem nenhum tipo de
restrição. A lei chilena, considerada a primeira no mundo a incorporar
esse princípio desde 2010, tornou-se referência para todos os que se
preocupam com a possibilidade de controle dos conteúdos que circulam na
internet.
A proposta de Marco Civil da internet no Brasil, do Projeto de Lei Nº
2.126/2011, elaborado de forma colaborativa a partir de plataforma
criada pelo Ministério da Justiça, incorporou o princípio de
neutralidade, ainda que seja um dos pontos mais polêmicos do projeto.
Além disso, adotou o impedimento a qualquer tipo de censura aos
conteúdos e aos fluxos de informações pela Internet. Nesse sentido, o
veto ao uso do Twitter, confronta-se diretamente com o princípio da
neutralidade da rede, ao afirmar que até o início oficial da campanha
eleitoral municipal fica proibido o uso das redes digitais.
O equívoco do TSE está em aplicar ao Twitter a mesma regulamentação
da radiodifusão e não considerar que a diferente natureza dessas mídias.
O TSE fere o princípio constitucional reafirmado nos incisos I e VII do
artigo 3º, do projeto de lei do Marco Civil, conforme podemos observar:
Art. 3o A disciplina do uso da Internet no Brasil tem os seguintes princípios:
I – garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, nos termos da Constituição;
VII – preservação da natureza participativa da rede.
Evidentemente que o projeto, ainda em fase de discussão, não pode ser
tomado como regra para o processo eleitoral, mas tampouco deveria ser
ignorado. A Resolução do TSE manteve-se fiel à polêmica decisão das
eleições de 2010, apenas reeditando-a por meio da Resolução 23.370 de
2011. O aspecto mais polêmico não se restringe apenas à proibição do uso
do Twitter, mas se estende as demais plataformas da internet. Se
seguirmos esse princípio, o uso ativo das redes sociais na discussão das
diversas etapas das campanhas eleitorais dos municípios fica vetado.
3. Propaganda política se resume apenas a pedir votos? Não.
Diversos estudos sobre comunicação política já constaram que a
construção da imagem dos candidatos vai muito além desse ponto. A
decisão do voto perpassa a subjetividade dos eleitores, que atentam não
somente para as realizações políticas dos candidatos, mas também para
suas escolhas pessoais. Além disso, em um país de cultura política pouco
participativa, a não divulgação das candidaturas tende a desinformar e
confundir ainda mais os eleitores.
Ao analisar as campanhas eleitorais realizadas via Twitter em 2010
notou-se uma estratégia de construção dual de imagem pela maior parte
dos candidatos. Os perfis dos políticos utilizaram a ferramenta tanto
para discutir suas propostas com os seus eleitores/seguidores, que ali
tinham a oportunidade de uma comunicação mais direta com os candidatos,
quanto para expor sua vida privada e preferências pessoais no sentido de
se aproximarem e se popularizarem perante o eleitorado. Dessa maneira, o
argumento da defesa de Índio merece atenção.
Especialmente durante o período anterior ao dia 5 de julho de 2010,
as demais candidaturas podem não ter pedido votos diretamente como Índio
o fez; porém, os outros perfis, inclusive o do próprio José Serra,
divulgavam por meio do Twitter suas respectivas agendas de pré-campanha,
comentavam sobre as visitas que realizavam, inclusive com links para
fotos e vídeos, expunham suas opiniões a respeito dos assuntos da agenda
política, criticavam os demais candidatos, revelavam as peculiaridades
de sua vida privada, como o gosto musical, o time de futebol, a crença
religiosa e a convivência familiar, agradeciam apoios e acima de tudo,
manifestavam suas pretensões eleitorais.
Marina Silva (PV) e Dilma Roussef (PT), por exemplo, não pediram
votos diretamente, mas retuitaram os apoios dos seus eleitores que lhe
pediam votos. Já Plínio Sampaio (PSOL) divulgou diversas vezes o site
www.pliniopresidente.com.br e o jingle produzido pelos seus apoiadores
em convenção do partido: “Socialista, coerente, Plínio Presidente”.
Sendo assim, surgem as dúvidas: O que seria este comportamento senão uma
espécie de campanha antecipada? Mesmo que alguém responda negativamente
a questão acima, qual é o recurso que tem um maior poder de persuasão
sobre o eleitor: o pedido direto de voto e a divulgação de um número ou o
candidato se apresentar de tal forma com a qual o eleitor de
identifique?
A simples conexão entre os candidatos e figuras públicas pelo
Twitter, como celebridades, artistas, jornalistas e outros políticos já
contribui para esse processo. Trata-se da presença da elite política
offline no mundo virtual. A conversão dessa elite à elite da rede
resultou também na atribuição de maior confiabilidade sobre as
informações veiculadas. Em contrapartida, esse sentimento acaba
polarizando a emissão e reprodução de mensagens e enviesando a
participação política no microblog. Tal observação converge com a
pesquisa (1) realizada pelo Yahoo, em parceria com a Universidade
Cornell, sobre o tema: o estudo constatou que “cerca de 50% dos tweets
são gerados por uma elite de apenas 20 mil usuários, sendo a grande
mídia a produtora de maior parte das informações”.
Portanto, observa-se que a apropriação das mídias digitais nas
campanhas resulta em dois movimentos concomitantes e divergentes: ao
mesmo tempo em que a internet é explorada como extensão das campanhas
espetaculares, propicia espaço para um debate político horizontalizado,
que até então não foi oferecido por nenhum outro meio de comunicação.
Nestas mídias, a facilidade de troca de idéias e informações é
infinitamente superior à de qualquer movimentação em espaço público, se
se levar em consideração a dinâmica da vida contemporânea e a disposição
dos cidadãos para tal.
Em suma, a decisão tomada pelo TSE tende, na prática, a afetar com
maior intensidade os partidos menores, tanto com relação ao valor da
multa estipulada para quem fizer propaganda antecipada (varia de R$5mil a
R$30mil), já que estes possuem menor captação de recursos, quanto com
relação à aproximação com o eleitorado em si — pois sendo a internet uma
possibilidade mais barata de campanha, muitos desses partidos dela têm
se apropriado para este fim. Nesse sentido, a internet se caracteriza
como um espaço onde todas as candidaturas de fato estariam em condições
de igualdade. Em contrapartida, os partidos maiores, ao disporem de mais
verba para as suas campanhas e mais tempo de horário público eleitoral
gratuito, podem investir mais em outros tipos de propaganda, além de não
lhes pesarem tanto no bolso as multas estipuladas.
Ao penalizar mais os partidos menores, o TSE consolida as
desigualdades do sistema político brasileiro, no qual se verifica que
quem tem mais recursos monopoliza o debate político e se perpetua na
dinâmica de poder, impedindo que expressões minoritárias concorram no
mesmo pé de igualdade. Esse debate obrigatoriamente nos remete à
discussão do financiamento público de campanha, proposta “emperrada”
pelos grandes interesses econômicos nos processos eleitorais. Mas esse é
um debate para um futuro artigo.
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* Natasha Bachini é mestranda
e pesquisadora do Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política do
Programa de Estudos Pós-graduados em Ciências Sociais (NEAMP) da PUC-SP
** Rosemary Segurado é professora
e pesquisadora do Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política do
Programa de Estudos Pós-graduados em Ciências Sociais (NEAMP) da PUC-SP