É ainda muito cedo para dizer se os Piratas não vão passar de um
pormenor na história da democracia europeia. No entanto, se não
sucumbirem aos erros de juventude, têm boas chances de transformar a
democracia do século XXI na sua forma, de contribuir para o fim de uma
era de crescimento a qualquer custo, de resolver a intrincada equação
demográfica e, como brinde, de se tornar o primeiro partido
verdadeiramente europeu.
A ideia de representar o povo através de organizações ditas de
“massas” é tão antiga e obsoleta como a era industrial. Confrontadas com
o colapso da sua organização, outrora tão “quadrada”, atividades como a
indústria fonográfica e o setor do turismo vivem um período de grande
turbulência. E o sistema político vai ter o mesmo destino. Softwares
online de participação cidadã, como o “Liquid Feedback”,
do Partido Pirata, são capazes de dissolver com grande eficácia uma
organização política surgida na remota era da “democracia mínima” (Paul
Nolte).
A abolição da separação estrita entre produtores e consumidores vai
estender-se à esfera política. Foi particularmente evidente no setor da
comunicação social e está agora em curso na indústria energética. O fato
de haver linhas inteligentes, nas quais as habitações particulares
podem consumir mas também produzir e oferecer energia elétrica, vai
acabar com o regime de quase monopólio dos atuais gigantes da indústria
energética.
Transparência e participação dos cidadãos
À semelhança do que acontece com a energia elétrica alemã, empresas
públicas [de geração de energia e distribuição de gás] como a RWE e a E.On e
partidos como o SPD [social-democratas] e a CDU [partido de
centro-direita, que se denomina cristão-democrata] têm de se reinventar,
atendendo às novas circunstâncias. No seu papel de defensores da
diversidade, no palco de operações dos antigos monopolistas, os Piratas
irão garantir que isto aconteça exatamente assim.
Muitos dos que foram anteriormente considerados especialistas em
política veem neste fenômeno apenas um nivelamento por baixo e uma
“amadorização” da política. No entanto, ela é, talvez, a nossa melhor
oportunidade para superar o cataclismo econômico que nos espera, por
meio de uma democracia verdadeiramente eficaz. Porque, se é verdade que
os sistemas políticos ocidentais sabem estruturar bastante bem a
sociedade em tempos de crescimento econômico, rapidamente entram em
alvoroço quando se trata de recuperar uma desaceleração continuada do
PIB. Os problemas que abalaram a Grécia ou as greves realizadas em
Espanha são uma pequena amostra do que acontece quando, após anos de
austeridade e de cortes do Orçamento, continua a não aparecer nenhuma
luz ao fundo do túnel.
Nesta “era do pouco” (“Age of Less”, David Bosshart) que se inicia,
não voltaremos ao velho modelo de crescimento. Teremos, portanto, de
criar um novo modelo político. Para manter-se democrático, esse modelo
deve ser acompanhado por mais transparência e participação dos cidadãos
do que os partidos tradicionais estão dispostos a conceder – não apenas
na Alemanha, mas em toda a Europa.
Transparência e participação cidadã são a melhor maneira de tirar o
euro e a União Europeia da rotina de que estão prisioneiras. Para a
democracia, trata-se de encontrar uma maneira de superar o previsível
fracasso dos tecnocratas. A solução não virá dos Piratas em si. Mas eles
vão indicar um caminho a seguir.
Novos partidos desejosos de vingar
A juventude – essa franja da população que é hoje efetivamente
excluída – pode ser assim integrada na sociedade e associada às tomadas
de decisão no plano europeu. Praticamente em toda a parte, a crise
econômica significou aumento acentuado do desemprego, especialmente dos
jovens – com picos de mais de 50% na Grécia e Espanha. Filhos da geração
do baby boom,
os pais apegam-se aos seus empregos e privilégios, deixando aos filhos
apenas a rua. São eles, os jovens, o alvo central do Partido Pirata.
Esta “geração perdida” já tentou uma primeira rebelião em 2011. Tudo
começou em maio, com as manifestações pacíficas prolongadas dos
Indignados em Espanha, antes de se espalhar a todo o continente, sob a
forma do movimento Occupy. Os seguidores deste movimento estavam unidos
por um sentimento comum de contestação, de que, no entanto, não saiu
nenhum objetivo claro. Se não for capaz de projetar eco no processo
político, esse sentimento poderá explodir em ações contraprodutivas.
Para integrar esse movimento no sistema político, seria preciso inventar
algo como o Partido Pirata, se ainda não existisse…
Os Piratas têm dois anos – até às eleições europeias da primavera de
2014 – para difundir-se em escala europeia. Ainda têm tempo para se
dotar de uma estrutura internacional suficientemente significativa. As
eleições do Parlamento Europeu serão simultaneamente importantes para
que sua entrada em cena seja estrondosa e insignificantes para que
muitos eleitores sejam tentados a votar noutros, em busca de mudança.
Até agora, as eleições europeias serviam de experiência a novos
partidos desejosos de vingar a nível nacional. Em 2014, pela primeira
vez, pode muito bem assistir-se ao surgimento de um novo partido
europeu.
–
Detlef Gürtleré chefe de redação da revista suíçaGDI Impuls. E colaborador de Die Welt, Tageszeitung e La Vanguardia. Em 2011, publicou o e-book “Entschuldigung! Ich bin deutsch” [Desculpe! Sou alemão], em sete línguas.
Detlef Gürtleré chefe de redação da revista suíçaGDI Impuls. E colaborador de Die Welt, Tageszeitung e La Vanguardia. Em 2011, publicou o e-book “Entschuldigung! Ich bin deutsch” [Desculpe! Sou alemão], em sete línguas.
Sem comentários:
Enviar um comentário